sexta-feira, abril 06, 2012

Loja de antiguidades


Existe em ti e em mim
essa nostalgia que nos faz andar
perdidos na poeira ambígua
dos recados do tempo.
O teu olhar demora-se nas lâmpadas
bordadas: Gallé, esse velho artesão,
sabia o que fazia.
E as unhas nacaradas da mulher
expõem o objeto carregado de beleza
sobre uma alma esteta
que tanto trabalho lhe deu a transformar.
Reparem nesta peça – e a sua garganta
ressoa a arte nova, imperiosa.
Buscamos no vivido um óleo
intransmissível
para os nossos corpos.
Silenciosamente andamos nessa gruta
dentro da cidade onde os ruídos caem
como lanças bárbaras
e a luz fria da noite
estilhaça a nossa vista.
É bom pousar assim tanta memória
nas mãos férteis e frágeis
das coisas esquecidas.
Mas à saída, justamente à porta,
as mãos de outra mulher, meticulosas,
rebuscavam no chão, entre outras peças,
outras coisas vividas, esquecidas,
enfim, outros destroços:
do fascínio da carne, os pedacinhos de ossos.


Fragmento: Armas Brancas e outros poemas — Armando Silva Carvalho

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